Sobre a Trilogia

 A trilogia “Ninguém é Impossível” parte de reflexões acerca dos mecanismos de auto-representação na contemporâneidade mediadas pelos fluxos ininterruptos de imagens. Baseando-se nos estudos da psicanálise de Lacan, compreende-se a estruturação psíquica do eu em função do olhar de reconhecimento do outro, de modo que a identidade não é um dado natural, presente na consciência a partir do nascimento, mas é fruto de processos inconscientes,  em constante transformação e não separadas da linguagem. Existe então uma fantasia de unidade, ou, uma falta de unidade que é preenchida a partir de referências exteriores, nos quais constrói-se imagens de si mesmo através do que se imagina que os outros vêem. 

Tal discussão também cabe para se pensar sobre os suportes de captura da “imagem de si”, como, por exemplo, os auto-retratos fotográficos.  A descrição de Roland Barthes, em A Câmara Clara dá a dimensão desse jogo conflitante entre a fotografia e seu referente na busca de uma autenticidade e veracidade. Diante da objetiva, 4 imaginários intervêm na concepção da auto-imagem: a do homem como julga que é; a do homem como gostaria de ser julgado; a do fotógrafo que julga o modelo; e a do espectador diante da foto. De qualquer forma, existe sempre algo de imaginário e ficcional por traz do auto-retrato, resultado do confronto entre normas sociais e psicologia individual.
Em cena, tais questões elaboram-se a partir da relação entre performer e imagem projetada: camadas sucessivas de corpos (o mesmo corpo) que se sobrepõem, se complementam, e multiplicam as ações da performer na cena, dando novos significados para as ações que se realizam. Travestida nas imagens projetadas, as identidades que a  performer assume se apresentam como uma soma de significantes cujo significado deve ser elaborado pelo espectador.

 Ao apresentar o corpo mediado por imagens, capturado e desterritorializado de sua condição de presença pura, o espectador se vê diante de cópias do corpo da performer. Mas, ao invés de reafirmarem a autenticidade do corpo presente na cena, essas imagens questionam o estatuto de sua autenticidade, e, como simulacro, as imagens acabam por revelar a impossibilidade de diferenciação entre o real e o ficcional.

 Cada espetáculo da triologia acrescenta aspectos novos à pesquisa.

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